sábado, 10 de maio de 2014

Reler Julio Dinis




 Depois de uma conversa sobre Arte e Escritores do Séc. XIX veio-me à memória o romance de Júlio Dinis, “Uma Família Inglesa” e tentei-me a descobri-lo, para o reler, no meio dos livros que tenho na estante. De facto lá estava num canto, escondido por outros novos romances, com algum  pó, mas  pronto  para consumir . Essa é uma das muitas vantagens de ser livro Mas isto são comentários laterais, porque tive e tenho no livro um grande amigo. Adiante.
Li-o com uma avidez que há muito não sentia  e não resisto hoje a traçar uma pequena dissertação permitindo-me a veleidade de despertar em alguém, igual apetite por ler, ou reler, um livro que, apesar de distante no tempo é ainda tão actual. Com uma estrutura romanesca bem ao jeito da época, Júlio Dinis faz neste romance descrições singulares dos personagens, bem como de algumas zonas da cidade do Porto.
Uma família tradicional inglesa, vivendo no Porto em finais do Séc.: XIX, onde o patriarca Whitestone tem um escritório de transacções comerciais.
Família composta por pai e dois filhos, Jenny e Carlos, que ao longo de toda a narrativa vão evoluindo paralelamente com Manuel Quintino, o guarda-livros da família, e Cecília, sua filha, que enamorada de Carlos com ele acabará por casar com a bênção dos pais de ambos e a protecção incondicional de Jenny.
Uma família Inglesa é, de todos os romances do autor o que menos se refere aos problemas sociais da época, em crise de transformação
No entanto no capítulo em que se caracteriza Cecília como “… portuguesa perfeita…”, é o momento escolhido por Júlio Dinis para acentuar o facto de nunca valorizarmos o que é nacional colocando-nos sempre e relativamente aos estrangeiros em posição desvantajosa. Surge um problema com a diferenciação de classes entre Manuel Quintino e Whitestone. Resolve-se no entanto com a elevação social daquele a sócio deste. A diferença religiosa também mereceu do autor desenvolvimento, já que tal atitude poderia provocar um desenlace diferente do preconizado por Júlio Dinis.
Ao longo de todo o romance as cenas evoluem em diferentes espaços físicos, embora equivalentes em importância quanto ao desenrolar da acção. Entre o escritório e o domicílio dos Whitestone viaja-se num Porto exterior, cidade comercial de grande agitação, que acentuadamente contrasta com a área da casa, do ambiente privado, da família.
Na residência de Mr. Richard Whitestone, família de tradição aristocrática, o gosto apresenta-se como marcadamente britânico, nos comportamentos “… veja como dobrou esse guardanapo…” e na forma de vestir “… fraque de pano azul, fabricado nas melhores oficinas do Yorkshire ou do West of England…”
Do ponto de vista do leitor será sempre necessário estabelecer num contexto mais vasto a informação da época do autor e da própria narrativa. Todavia reler esta ficção é voltar ao tempo em que os dias ainda tinham uma luz própria e uma duração muito longa. Não deixe de espreitar a sua estante e se ainda lá estiver este magnífico romance pegue nele. Nem que seja só para voltar a sentir os dias longos.

Sem comentários:

Enviar um comentário